É preciso manter os canais de mobilização sempre ativos, para que a corrente de solidariedade contra a fome se mantenha viva
Imortalizada na letra do samba de Moraes Moreira, a expressão "Lá vem o Brasil descendo a ladeira", de 1979, não poderia ser mais atual e relevante. O país desce a ladeira e se torna notícia no exterior. Notícia ruim. Jornais, portais de internet e revistas mostram a escalada da fome no Brasil que retomou os mesmos índices vistos antes do lançamento do Bolsa Família.
Uma pesquisa realizada em novembro e dezembro passados com duas mil pessoas mostrou que 15% estavam em insegurança alimentar grave e 12,7% em situação moderada, o que na prática significa risco de deixar de comer por falta de dinheiro. Em números absolutos, estamos falando de uma população de 58 milhões de pessoas.
Contudo, o quadro é ainda mais grave. Outros 31,7% estavam em insegurança alimentar leve, quando há preocupação de que a comida acabe antes de se ter dinheiro para comprar mais ou faltam recursos para manter uma alimentação saudável e variada. Assim, temos o assustador índice de 59,4% da população com algum grau de insegurança alimentar, o que equivale a 125 milhões de pessoas.
O levantamento foi feito por pesquisadores do grupo "Alimento para Justiça" da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Brasília, com financiamento do governo alemão.
Vale pontuar que a pesquisa é do final do ano passado, quando ainda vigorava o auxílio emergencial de valor maior. Portanto, a situação agora é muito pior, e a continuar assim, rapidamente entraremos em um quadro de tragédia humanitária, se é que já não estamos.
Sem um programa de socorro federal capaz de manter a população vulnerável em quarentena, incapaz de promover o enfrentamento sério da pandemia, e sem vacinas suficientes para toda a população, o Brasil segue dependendo do voluntarismo da sociedade civil e do esforço dos governadores e prefeitos. Em Campinas, entidades se mobilizam para amenizar o sofrimento alheio, mas esta fonte também se esgotará.
Os trabalhadores da classe média, que antes ajudavam os mais pobres, perderam seus empregos durante a pandemia. O resultado é que as doações de pessoas físicas e jurídicas caíram 40% neste ano, como revela reportagem publicada em nossa edição de ontem. Por isso, mais do que nunca, é preciso manter os canais de mobilização sempre ativos, para que a corrente de solidariedade contra a fome se mantenha viva.