Ela — lá com seus 40 anos — tinha uma pequena indústria de confecções. Na própria casa. Das salas das máquinas, via — diariamente e nos fundos da residência — o quintal todo de terra. Olhando-o — ela ainda conta — sentia-se incomodada, lembranças da infância e da adolescência vividas no sítio do avô. Quando chovia, o cheiro de terra molhada aumentava-lhe a ansiedade. Era como se a própria alma clamasse por algo que a mulher ainda não entendera ou não quisera ouvir. Um dia, resolveu fazer um pequeno canteiro de flores. Comprou algumas mudas, cavoucou a terra. E começou a cuidar das plantinhas. Animou-se e plantou duas ou três árvores ornamentais e frutíferas. A pouco e pouco, começou a perceber que a sua pequena fábrica já não mais lhe despertava o interesse. Mas era seu ganha-pão, como fazer? Divorciada, com um filho, lutando pela vida, qual a alternativa? Na verdade, ela não aceitava esse apenas “lutar pela vida”, na certeza de haver algo mais do que isso. Ela começou a admitir que, na realidade, não vivia, apenas sobrevivia. Então, a ansiedade foi-se-lhe aumentando, a ponto de quase agoniá-la. Algo lhe nascia dentro do peito e no cérebro, mas ela tinha medo, pois implicava uma opção totalizante. Estava na encruzilhada, lugar e tempo de decisões: ficar parada onde estava, ir à frente, voltar, escolher este ou aquele caminho? Uma pergunta cuja resposta poderia ser definitiva forçava-a a uma escolha: se ela, como modista e costureira, enfeitava pessoas, por que — como florista e jardineira — não poderia enfeitar o mundo delas? Tomou, enfim, a decisão: iria tornar-se jardineira, cuidar de plantas, ser florista e, assim, encher a alma de paz e florir e colorir a realidade alheia. Encontrou o caminho. E encontrou-se a si mesma. Talvez — isso sou eu que penso — ela tivesse entendido que o humano assim se chama por ter vindo da terra, ser parte dela. Humano, “húmus”. Longe dela — na vida do asfalto, preso em apartamentos, prisioneiro entre paredes — o humano se desumaniza. E lá se foi ela cuidando daqui, cuidando dela, fazendo seu próprio jardim, criando mudas. Mas, enquanto isso, uma preocupação a agoniava: o único filho, adolescente, isolava-se no quarto, diante do computador, nas redes sociais, em jogos. Advertia-o mas nada, além daquilo, havia que o motivasse. Até que um dia — necessitando do auxílio dele — ela o chamou para ajudá-la a mexer na terra, a podar árvores, a cavoucar buracos. De má vontade, o menino a atendeu. E, em outras oportunidades, a mulher voltou a pedir-lhe ajuda. E mais uma vez, mais duas, mais dez vezes. Um dia, não precisou mais chamá-lo para ajudá-la. O garoto apaixonou-se pela terra, foi imantado, fascinado pela natureza. E trocou horas inúteis diante do computador pelo prazer e alegria de plantar, de semear, de ver a natureza brotar do chão. Continuou navegando pela internet, mas com moderação. O seu tempo vago, após as aulas e os estudos, era dedicado aos jardins. O “húmus” o humanizara. E, então — já próximo de decidir-se por uma atividade profissional — falou para a mãe, a florista: “Decidi. Quero ser agrônomo.” Começaram, então, a também trabalhar em jardins alheios. Lado a lado, mãe e filho cuidavam da terra como se ela fosse, realmente, o berço da vida. Divergiam quanto à beleza das plantas, quanto à visão estética como se estivessem pintando uma tela ainda virgem. O garoto prefere árvores; a mãe tem olhos quase apenas para flores e arbustos. Juntos, no entanto, encontrando uma harmonia que adoça os corações. Vendo-os, animo-me, alguns rasgos de esperança. Pois, enquanto o mundo e a televisão apenas veem árvores caindo, o desastre da destruição, vejo, eu, a lenta formação de jardins. Penso nisso e — apenas para me fortalecer a mim mesmo — alimento a certeza de que Dostoievsky estava certo em sua profecia humanística: “A beleza salvará o mundo.” Pois, da beleza, nascem a caridade, a fraternidade, a justiça. Aliás, como era mesmo o nome daquele filme? Ah! sim: “Da terra, nascem os bravos.”