A estrela não está solitária

Poucos clubes brasileiros carregam a mística do Botafogo. Seus personagens, do canalha Heleno de Freitas ao maestro Seedorf, tendem a ser sempre vítimas de jornadas homéricas que costumam se sobrepor às nem sempre bem-sucedidas batalhas campais. A glória alvinegra está muito mais atrelada ao drama do enredo do que a frieza dos números e conquistas.A evidência recente do clube, atual campeão carioca e vice-líder do Brasileiro, tem inspirado crônicas acaloradas na imprensa esportiva. Grande parte entusiasmada com a vitalidade do veterano meia holandês, que não veio ao País a passeio e tem feito a diferença dentro e fora de campo. O gringo é, sem dúvida, o mais regular e instigante atleta em atividade por aqui. Ao dosar a experiência com a boleiragem, Seedorf encanta e desencanta, agride e afaga, lidera e não foge à luta. Aos poucos, o veterano de 37 anos pincela com traçadas firmes o seu nome ao lado de ícones como Nilton Santos e Mané Garrincha.Aos 109 anos, completados sem pompa nem festa em 12 de agosto, o Botafogo de Futebol e Regatas personifica como nenhum outro o romantismo típico do torcedor que ama incondicionalmente, desdenha da escassez de títulos e não dá a mínima por não pertencer a bandeiras de massa. Assim, sem alarde, o clube se protege e se preserva da superexposição dos rivais e sobrevive como um ilustre desconhecido, como o autor da frase que talvez melhor o defina. "Assim é o botafoguense. Ele não sofre, se purifica. Os invejosos desafiam, dizem que os alvinegros são poucos. Equívoco; são relíquias. E preciosidade não se encontra às pencas no boteco da esquina".Mas o clube, apenas o 12º em número de torcedores no Brasil, também já serviu de inspiração para craques da literatura em outros tempos. Vinicius de Moraes, Lima Barreto, Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues e Luis Fernando Veríssimo são apenas alguns dos boleiros letrados que ajudaram (ou foram ajudados?) pela "poética dramaticidade" que acompanha o clube. Quem conhece o Rio de Janeiro sabe do deboche com o qual o botafoguense aprendeu a conviver. Quando dizem, no entanto, que "há coisas que só acontecem com o Botafogo" estão apenas polindo o brilho inapagável da Estrela Solitária.