Baú de Histórias

A eletrola, a radiola e o gramofone

Rogério Verzignasse
28/04/2015 às 16:18.
Atualizado em 23/04/2022 às 16:21
Coleção de seo Antônio virou exposição no Museu Histórico Padre Francisco de Paula Lima, em Itatiba ( Carlos Sousa Ramos/ AAN)

Coleção de seo Antônio virou exposição no Museu Histórico Padre Francisco de Paula Lima, em Itatiba ( Carlos Sousa Ramos/ AAN)

Antônio Manoel de Oliveira é um senhorzinho que beira os 90 anos. Forte que só vendo, sobe e desce as ladeiras da região central de Itatiba. Tem o maior pique e nem pensa em aposentadoria. Trabalha, desde a década de 40, na manutenção de aparelhos de rádio, numa oficininha acanhada no porão de uma casa bastante antiga da Rua Engenheiro Passos. Só que, além de consertar, o homem começou a restaurar e colecionar aparelhos antigos, daqueles enormes, que funcionam com válvulas e transístores, e transformou a labuta em hobby. No vasto acervo, também tem eletrolas, vitrolas e um gramofone movido a manivela, que toca velhos discos de 78 rotações.   Foto: Carlos Sousa Ramos/ AAN Antônio Manoel de Oliveira: aos 90 anos e com o maior pique, mantém uma oficina de restauro de aparelhos antigos   A coleção faz tanto sucesso que, no início deste mês, virou exposição no Museu Histórico Padre Francisco de Paula Lima, ao lado da Igreja Matriz. Gente da cidade toda - e de todas as idades - passou pelo espaço cultural e se deliciou com as raridades. Os aparelhos de rádio, claro, foram um espetáculo à parte, como os Space King, Kent ATK e Supertone, modelos estrangeiros fabricados no comecinho do século passado. Imensos, em caixas de madeira, hoje eles são encontrados apenas em antiquários, a preços nem um pouco convidativos.   Seo Antônio, que todo mundo na cidade conhece como Sastre, podia faturar um dinheirão se vendesse essas preciosidades. Só que ele não pensa nisso. Quer deixar o acervo de presente para os quatro netos. Mas o cidadão, diga-se de passagem, não está com a menor pressa de passar o testamento. A saúde vai muito bem e ele ainda quer dar asas à carreira de restaurador - nas prateleiras da oficina, vale dizer, já amontoa badulaques como máquinas de escrever e ferros de passar a brasa. "Restaurar é uma diversão que faz a gente lembrar da roça, dos tempos de moço", fala.   História   Foto: Carlos Sousa Ramos/ AAN Coleção de seo Antônio virou exposição no Museu Histórico Padre Francisco de Paula Lima, em Itatiba Seo Antônio nasceu em Itatiba, num sítio que existia lá pelas bandas do Morro Azul, na saída para Atibaia. Seus pais, Lázaro de Oliveira e Antonia Regagnin, eram lavradores. Ainda moço, ganhou o apelido pelo qual é conhecido até hoje. Sastre era o nome de um meia argentino que vestiu a camisa do São Paulo no começo da década de 40. Aí vão dizer: "O Antônio de Itatiba também devia jogar muita bola". Que nada! O lance é que o rapaz era muito parecido com o craque. O meia do Tricolor paulista, revelado pelo Independiente, fez fama de virtuoso. Era também ala, volante, zagueiro, atacante e até de goleiro quebrava o galho se precisasse. Aqui no Brasil, contratado em 1943, o hermano fez sucesso. Tipão, arrancava suspiros da mulherada. E o itatibense, claro, adorava a comparação.   Detalhe: o Sastre original era Antônio também. Só que o Antônio brasileiro nunca jogou bola. Ele, que procurava um ofício decente para ganhar a vida, matriculou-se no Instituto Monitor e aprendeu a consertar rádios. Gostou tanto que se especializou e virou técnico autorizado da Philco - o velho diploma está lá, pregado na parede da oficina. Ele ainda aprendeu a fazer manutenção de televisores, sonatas, gravadores... No início dos anos 80, o ofício virou arte e o restauro, marca registrada da oficininha.   Quando faltam peças originais, ele manda fundir. Ao lado da bancada, impressiona a charmosa radiola, um móvel parecido com cômoda que traz o toca-discos acoplado. Pelas mãos de Antônio surgem até exemplares do raríssimo rádio-capelinha, em formato que lembra uma pequena igreja - a caixa de madeira é esculpida artesanalmente. Da bancada sai uma peça decorativa idêntica ao rádio que ficava em cima do armário da casa da vovó, na roça.   Os badulaques não servem apenas para decorar ambientes. Eletrolas, vitrolas e rádios funcionam de verdade. Até o gramofone lindão de 1935 roda o disco de Carmem Miranda cantando Chiquita Bacana com aquele chiadinho gostoso que só existe no vinil.

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