Façamos uma enquete sobre as causas das atuais passeatas: a) aumento da tarifa de ônibus; b) gastos exorbitantes com a Copa do Mundo; c) falência do SUS; d) educação básica pública de má qualidade; e) reestatização daquilo que já foi privatizado; f) privatização daquilo que ainda é estatal; f) corrupção e PEC 37; g) todas as anteriores, sem prejuízo de outras causas aleatórias.Se o leitor optou pela última alternativa, tem mais chance de estar certo. O que começou com um reajuste de centavos na tarifa tomou uma proporção milionária de aderentes. Uns de coturno e outros com o tênis da moda. Uns historicamente engajados em lutas sociais e outros sem saber o que estão fazendo lá. A maioria com nítida intenção pacífica e uma minoria sem juízo que concretiza o bordão do quanto pior, melhor.Arriscaria a dizer que o pano de fundo dessas manifestações populares passa pela vertiginosa queda de prestígio das instituições sociais. Cada qual ao seu modo. Mas o governo federal é o campeão: trabalhamos cinco meses ao ano para sustentá-lo, inclusive seus notórios desperdícios e caprichos, como as arenas construídas a toque de demagogia e para o encanto dos comissários da Fifa.Mas as instituições sociais são formadas por pessoas. Isto é, são formadas por nós, os indivíduos, e nossas debilidades, as quais, de certa forma, são transmitidas para as estruturas dessas mesmas instituições que, numa espécie de círculo vicioso, retornam para nós, como um todo, ou seja, uma sociedade. Então, qualquer reflexão sobre essa crise das instituições deve passar necessariamente pelo tribunal individual da consciência moral.Digo consciência moral, porque o conceito moderno de consciência equivale à canonização do relativismo e da impossibilidade de acesso racional a qualquer conjunto de normas morais comuns a todos os povos e nações. Isso é uma mera decorrência lógica da expressão do caráter absoluto do sujeito, acima do qual não poderia haver, no campo da consciência moral, nenhuma referência superior ou perene.Assim, se, para uns, num dado caldo cultural e histórico, o político poderia obter vantagens ilícitas desde que fizesse algo pela população, para outros, em qualquer época histórica, o “rouba, mas faz” não faz sentido, pois roubar — sempre — é imoral, não em razão de que “minha religião não permite”, mas porque nem mesmo um ladrão toleraria ser roubado...Quando o indivíduo perde o diálogo com a consciência moral, sua existência acaba numa seriedade que vai se esvaziando até ficar sem conteúdo, como já dizia Jaspers. Por fim, o indivíduo se vê impelido a renunciar à questão moral e isso significa dar-se a si mesmo por perdido. Se a autonomização do indivíduo, por um lado e em muitos assuntos, tornou a consciência um tanto mais livre para refletir, por outro, quando esse fenômeno absolutizou-se, deixou a consciência completamente estreita.Tenho lá meu ceticismo sobre o desfecho desse belo clamor popular havido nas ruas. Não gostaria que, ao final, os ânimos se arrefecessem depois das concessões pontuais que muitos políticos farão com os protestantes. É preciso lutar contra essa mesmice com que as instituições tratam a coisa pública, a começar pelo partido da presidente, que se dizia revolucionário, mas que é bem conservador: conserva toda essa injustiça orgânica que vemos por aí...E não contemos com a oposição: além dela não existir no âmbito nacional, a resistência é meramente retórica e faz perpetuar o assento, já bem gasto, dos velhos donos do poder, cujos nomes todos sabemos, mas que não fica bem aqui indicá-los, por uma razão muito simples: falta espaço e, caso me esquecesse de algum, estaria sendo profundamente injusto com os nominados... Os partidos são importantes. É preciso melhorar seus quadros.Se Sócrates, pela voz platônica, dizia que só uma vida examinada é uma vida que vale ser vivida, eu diria que, além do indivíduo, só uma sociedade examinada é uma sociedade que vale a pena ser emancipada. Se o exame da sociedade é feito no saudável barulho das ruas, o exame individual pode ser feito na calada da consciência moral: porque, muitas vezes, é no silêncio do que não é dito que reside a possibilidade de mudança. E de esperança. Com respeito à divergência, é o que penso.