ANDRÉ FENANDES

A crônica que não houve

07/08/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 06:21

Esta crônica era para ter sido publicada no dia 28 de julho, na condição de enviado especial do Correio Popular à Jornada Mundial da Juventude, mas, por falha de comunicação com a redação, ficou na minha caixa de mensagens. Fala sobre minhas impressões acerca da via sacra realizada no dia anterior, na mesma jornada, ocasião em que, durante minha participação, as ideias foram surgindo e sendo anotadas.Logo após o término daquela versão moderna, do ponto de vista cênico, de via sacra, deixei a pena correr numa só tacada naquela mesma noite. É uma crônica de passado recente, de presente marcante e, espero, de futuro fugaz. Não pretendo alterá-la, por dois motivos: qualquer acréscimo macularia a espontaneidade afetiva de seu conteúdo e infletir novos pontos poderia provocar a perda da unidade e mesmo da identidade da crônica. Creio que, tal como foi escrita em seu tempo, a crônica representa um momento que deve ser preservado como tal na história, como sendo uma crônica que não houve. Segue o texto abaixo.A via sacra com o papa Francisco, na data de ontem, foi um convite para que os jovens, de todas as idades, tenham uma vida de entrega e sejam os protagonistas de um novo mundo. Em sua mensagem, Francisco convocou os jovens ao comprometimento com um novo ambiente, contagiando a todos com alegria, como sentinelas de um novo amanhecer de esperança. “Vamos construir pontes em vez de muros”, afirmou em sua mensagem.Mas essas pontes devem ser construídas com a estrutura do amor, essa porta que somente se abre para fora e para o outro. Para a felicidade. Queremos ser felizes e precisamos de modelos. Há a “felicidade” dos livros de auto-ajuda, a “felicidade” oficial do governo e a “felicidade” do poder e do dinheiro. São propostas de felicidade tão pegajosas quanto um chiqueiro: “pegam” na mídia e nas redes sociais. De fato, os porcos chafurdam na lama e, sei lá, devem gozar de uma “felicidade” suína ou “bacon-iana”.Entretanto, somos bem mais que porcos. Inclusive os torcedores palmeirenses. Hoje, o ambiente conspira para um ideal de felicidade que não vai além da busca por si mesmo. Esse ideal de felicidade, a longo prazo, cria um desencantamento social, porque se pauta pela invasão do pragmatismo e da eficiência no território do amor. Vale tudo: homens e mulheres sem roupa vendem seus corpos na web. Basta escolher e ligar.Numa festa, o homem ou a mulher vão pegando um, dois ou três para um enlace fugaz na mesma noite. O número varia segundo a noção que a pessoa tem de descartável. A felicidade virou uma autoconstrução do sucesso financeiro e sexual e, à la Derrida, Francisco veio para desconstruir essa filosofia. O Prometeu moderno passa a ideia de que não necessita de ninguém, porque todos são o objeto de seu desejo e de sua grana e, ele, de ninguém.Essa filosofia de felicidade reduz-se ao consumo do outro: consumo economicista, afetivo e sexual. É uma filosofia que, nos três casos, passa pelo domínio do outro. Quando a barriga aparece, o cabelo cai e os músculos definham, nosso Prometeu percebe que precisa sair de si, porque sua filosofia de felicidade conduziu-o à solidão. Ele irá atrás de uma resposta química e imediata para isso, já que nossa sociedade medicalizou os mais elementares sentimentos humanos, como o medo, a ansiedade ou mesmo a angústia.Desesperado, nosso Prometeu tomará doses cavalares do alopático indicado. Mas a bula alertava que excesso de dosagem não resolvia o problema. Então, ele resolve buscar uma esperança de sentido num confuso ligar-se sem ligar-se ao outro. Afinal, ele nunca soube ligar: nunca construiu pontes, mas muros. São os muros que, agora, cerram sua vista para horizontes mais amplos, encerrando-o no beco labiríntico do desespero. De um desespero cheio de si e de dinheiro e escasso de sentido existencial. Nesse momento, surge a inquietação de saber-se estranho a si mesmo. Recordo-me da máxima de Agostinho: há em nós algo mais profundo do que nós mesmos. E para meus fregueses da academia do João, informo que retorno em agosto. Até lá, continuem treinando duro...

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