Era previsível — pelo menos para mim — a reação histérica de certo mulherio diante do resultado da pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Nela, 67% dos entrevistados concordam com a afirmação de que “mulher que mostra o corpo merece ser atacada”. De minha parte — macaco velho neste e em alguns outros assuntos — discordo da afirmação e da pergunta. Pois, em meu entender, a leitura é outra. A sexualidade humana é um dos mais fascinantes mistérios de nossa longa história. Consideremos — apenas para efeito de rememoração — a fábula de Adão e Eva. O fantasma do sexo já está lá. Sem sexo, não haveria vida. Portanto, deveria ser algo como o ar que se respira, a água que se bebe. Mas, de tão misterioso e inquietante, parece ser uma novidade surgida apenas ontem. Cada geração discute tudo de novo, mesmo que sob outras formas, circunstâncias e aspectos. Todavia, é a mesma inquietação que acompanha a humanidade desde sempre. No nosso mundinho do espetáculo, do descartável, do relativismo absoluto e do imediatismo enlouquecido, sexo virou negócio, objeto de mercado. Mas ainda inquieta. A questão da igualdade de sexos é equivocada. Isso se refere apenas à paridade de direitos, em especial, o a dignidade humana. A diferença entre funções biológicas não justifica diferenças morais, um fenômeno apenas cultural de cada época. Mas homem e mulher não são iguais. A civilização ocidental tanto fez que acabou por confundir sexualidade humana com sexismo ou genitalismo. A sexualidade é a integralidade do ser humano, na qual se afirma a sua personalidade. Não se trata apenas de corpos, mas de algo mais profundo. Amamos e procriamos a partir de nossa sexualidade, da atração que um exerce sobre o outro. Há que se não confundir com a simples cópula, como nossos irmãozinhos, animais irracionais, o fazem, sem quaisquer inquietações espirituais ou psicológicas. Para o ser humano, o apenas copular traz, consigo, consequências tão inesperadas que o rápido prazer se transforma em desconforto e tristeza. Infelizmente, parece-me haver uma visão agora profundamente feminista da sexualidade, pendendo o prato da balança para o outro lado. Por milhares de anos, a mulher — em sua integridade humana — foi desconsiderada. Agora, a desconsideração se volta contra o homem. Parece mais uma vingança por injustiças ancestrais do que algo justificável racionalmente. Se erramos antes, erramos também agora. Apenas, com mãos invertidas. Tal pesquisa — da “mulher que mostra o corpo merece ser atacada” — deveria ter uma leitura mais generosa. Ora, não se pode considerar verdadeiramente humano quem estupra, violenta, os que abusam de mulheres de maneira brutalmente irracional. São, quase sempre, personalidades fracas ou doentias. Talvez, apenas em estágio de primata. O verdadeiramente humano é civilizado. Logo, conhece regras, rituais, limites. E este, no entanto — mesmo sendo parte da maioria da humanidade — não aparece em notícias de jornais ou televisões. Há, ancestralmente — nas relações afetivas entre homem e mulher — um ritual, semelhante, sim, à caça e ao caçador. O homem — para conquistar — corteja, insinua-se, dissimula, querendo conquistar e não depredar. Quando a mulher deixa de entender isso — esquecendo de seu milenar fascínio, de sua arte de seduzir, das insinuações eróticas — o jogo sexual perde a graça. O homem — no amor e na vida sexual — não aceita a mulher que se oferece, que se faz “caçadora”. Isso — sendo ele pessoa civilizada — o intimida e o faz recuar. A pergunta, para mim, deveria ser diferente: “A mulher que mostra o corpo merece ser desejada?” Aí, deve estar a chave de mais esse mistério da sexualidade, em pleno século 21. Ora, o homem saudável já se cansou, saturado de ver montes de carnes, de bumbuns, de seios com silicone, de pernas atléticas disponíveis por aí. São mercadorias. E mercadoria barata ou gratuita não merece confiança. O segredo feminino está no véu, que insinua sem deixar ver plenamente. Se sexualidade é mistério, o mistério maior é a mulher. Se ela se banalizar, o mistério acaba. A vida sexual tem um ritual inesgotável no qual fantasia e expectativa são elementos essenciais. Mas, minha opinião não importa. Pois sou daquela geração inquieta que se deliciava quando as normalistas se sentavam nos bancos de jardim. E, sutilmente — com malícia estudada — deixavam aparecer, sob a saia plissada, um pedaço dos joelhos. “Espiar joelhos” era uma aventura da juventude. Mulheres orientais — que apenas mostram os olhos — são mais sedutoras do que avalia esse feminismo masculinizado e viril.