IG- Gustavo Mazzola (CEDOC)
Logo de manhã, o meu vizinho Fernando se empenhava numa tarefa incomum: plantar, num espaço de terra na calçada entre a sua e a minha casa, uma pequena muda de árvore. Era só um galhinho, com folhas meio caídas, sem viço.
— Um abacateiro. Será que vai pra frente? — me dizia, sem muita esperança.
Passaram meses daquele 1985, e o simples galhinho acabou virando um arbusto, tudo a custa de muita água e cuidados para que sobrevivesse: uma vareta de sustentação, barbantes amarrados ao seu redor, coisas assim.
Cinco anos depois, via-nos, eu e o vizinho, frente a uma pequena árvore. Brinquei com ele: “logo, logo, vai fazer sombra, tornar mais bonita a nossa rua”. Nem imaginava o que estava para vir pela frente.
Em 2010, o pequeno arbusto já era, então, uma árvore de grandes proporções. Seu tronco tomava toda a calçada, galhos robustos se erguiam para o alto, atingiam até o pequeno prédio na frente, ameaçavam a minha casa. As raízes avançavam, levantavam as pedrinhas portuguesas. A copa, alta, fazia sumir a luminária presa ao poste de iluminação, pressionava os fios de energia elétrica, de telefonia, da tv a cabo.
Verdade! O inocente abacateiro tornava-se perigoso: em dias de ventania, seus galhos mais secos vinham ao chão, danificavam os veículos estacionados no meio fio, assustavam os transeuntes da rua. A grande árvore não parava de crescer, transformava-se num monstro assustador, de torso robusto e copa gigantesca. Meu filho não conseguia mais abraçá-la. Foi quando comecei a pressentir que era hora de fazer alguma coisa.
A primeira providência foi pensar na poda de seus galhos mais altos. Mas, isso não era para se fazer, assim, na galega: normas precisavam ser seguidas. Assim, um ofício foi enviado ao setor municipal responsável pela arborização das ruas, parques e jardins, mas o papel ficou à espera por um despacho, que não veio. Tentei novamente no ano seguinte, até a Ouvidoria Municipal tentou ajudar. Um vereador conhecido nas redondezas foi posto no circuito, acenou com pronta solução ao problema: tirou fotos, fez promessas. Mas, nada!
Depois de muita espera, um dia chegou o veredicto da chefia competente: “Informamos que, em vistoria ao local, constatamos a presença de uma árvore em perfeito estado sanitário. Não há nada para fazer”. Desilusão.
Correram mais alguns anos, chegamos aos dias de hoje: o abacateiro tornava-se agora um problema na rua. E, aí, fomos nós numa nova tentativa de conseguir a poda tão pretendida. Um outro ofício, desta vez para a gente nova da administração. “Quem sabe, desta vez, não”?
— É preciso entregar o papel ali ao lado do Joá Penteado. Não é aqui na Regional — diz um encarregado. Procuro o setor certo perto do Túnel.
— Aqui? Não, meu senhor. Tem que ser no Protocolo.
Onde é o Protocolo? Um funcionário me diz que fica num trecho da Rua São Carlos, perto da Igreja Universal. Lá vou eu sob o sol abrasador de Verão, tentando achar a Rua São Carlos. Encontro-a, mas e o Protocolo? Alguém por perto, querendo me ajudar, me manda para a Polícia Militar Ambiental, numa travessa da rua, onde “o seu pedido será recebido”!
— Não é aqui. O senhor tem que ir é no DPJ. Reclamação é com eles - me explicam ali, educadamente.
Volto ao lugar onde comecei, naquela tarde, a minha jornada.
— Eu já lhe falei — insiste o funcionário, já meio irritado — tem que ser no Protocolo mesmo, na São Carlos, número 300. É na parte de cima da rua. O senhor foi na de baixo. Finalmente, consigo o almejado número do Protocolo, com promessas de que o meu ofício, enfim, seria encaminhado.
Dia destes saí para minha caminhada de todas as manhãs. Tropecei nas raízes do grande abacateiro, isso no mesmo instante em que senti uma bordoada na cabeça. Olhei para cima, surpreso, ouvindo nitidamente uma vozinha cheia de rancor: — Ah! Então é o senhor que quer podar os galhos daqui, não? Derrubar a árvore? Seu facínora do meio ambiente! Pois tome um abacate na cabeça. É para aprender a respeitar quem está tranquilo.
Do portão de sua casa, Fernando — o meu vizinho que, inocentemente, começou toda esta história em 1985 — sorri, me acena amistoso. Acho que também ouviu o pito que eu acabara de levar do abacateiro ameaçado.
E eu? Ainda estou esperando pelos cortes, cada vez mais necessários. Apesar de opiniões contrárias a respeito.