Um estudo do Banco Mundial divulgado recentemente projeta que em 2030 teremos 191 milhões de obesos na América Latina. Este documento, intitulado Food Price Watch, utiliza dados anteriores e outros projetando a avaliação do consumo alimentar. Em 2005 éramos 60 milhões de latino-americanos obesos, isso significa que em 25 anos o aumento poderá ser de 300%.
Esta tendência não é nova. Em 1974 publicamos numa revista cientifica de circulação internacional um estudo em que demonstrávamos a elevada prevalência de obesidade em crianças de Ribeirão Preto. O que chamava a atenção é que a maior prevalência de obesidade ocorria nos extratos socioeconômicos mais altos, o oposto do observado nos países desenvolvidos.
Hoje esse fato vem ocorrendo tanto em países, que segundo tudo indica estão enriquecendo, como o Brasil, o México e a China, quanto em países que empobrecem (jamais imaginava poderia um dia escrever isso) como Estados Unidos e alguns do continente europeu. O fato é que no mundo, tanto as crianças como os adultos, estão cada dia mais gordos. Nos Estados Unidos e no Brasil estima-se que 50% da população estejam acima do peso (sobrepeso e obesidade).
Para reforçar esse conceito não se esqueçam de que o famoso “fome zero”, instrumento maior da eleição de 2002, transformou-se em “bolsa família” depois que alguns meses da posse do então presidente, pois os números publicados pelo IBGE mostraram que temos mais obesos e sobrepeso que fome no País. ‘“Fome zero”? Não se fala mais nisso.
Para alguns autores a causa dessa epidemia é a vida sedentária que levamos. Tornamo-nos sedentários, somos escravos da automação e a prática de exercícios compete com o sofá, a televisão, com os videogames e com os filmes. Não devemos nos esquecer de que em nosso país temos como álibi o fato de que sair à rua tornou-se ato de risco. Risco real tanto quando simplesmente andamos ou quando corremos, pois podem nos roubar o tênis, a roupa ou até a bicicleta, sonho de consumo atual.
Tanto as bicicletas quanto os tênis com alta tecnologia tornaram-se objeto de roubo. Fetiches são fetiches! Lembro-me que existia nos anos 70 uma propaganda veiculada no Natal pela televisão, na qual uma criança dizia e deixava mensagens em todos os cantos de sua casa para o Papai Noel: “Não se esqueça da minha Caloi”. Hoje com certeza elas devem pedir: “Não se esqueça de meu o videogame de ultima geração ou de meu smartfone ou de meu tablet”.
Chegamos ao ponto de reduzir os impostos dos telefones celulares para o dia das mães!!!
Um livro de autoria de Michael Moss, prêmio Pulitzer de 2002, está sendo muito comentado nos EUA e na Europa e eu espero algum editor o traduza para o nosso povo. O autor resume o problema da tendência da humanidade em ganhar peso em três palavras: sal, açúcar e gordura (Salt, Sugar Fat é o titulo de seu livro). Segundo Juan Arias, correspondente do jornal El Pais de Madrid no Brasil, “o livro não é um panfleto, nem uma denúncia de empresas que levam aos supermercados tentações envenenadas”.
Em seu trabalho investigatório, Moss chega à conclusão que as indústrias se preocupam em nos fornecer alimentos usando “a arte da sedução” dos nossos sentidos. Isso elas o fazem usando a tríade sal, açúcar e gordura. Segundo o autor, em uma reunião das maiores indústrias de alimentos em 1999 nos EUA, alguns dos diretores manifestaram suas preocupações por estarem oferecendo os três inimigos embalados nos alimentos. O então presidente da General Mills, segundo se conta, disse que os consumidores eram livres para comprar o que quiserem e o que lhes parecia saboroso.
Terminou dizendo: “Não me venham com bla-bla-bla de nutrição”. A não compreensão do “bla-bla-bla” nutricional é um dos responsáveis pelas milhões de mortes associadas ao diabetes, à hipertensão e ao infarto agudo do miocárdio que ocorrem no mundo e também pelo tremendo prejuízo na qualidade de vida de milhões de conterrâneos.
Recentemente recebi convite para discutir em seção num dos cinemas do shopping Santa Úrsula, o filme “Muito Além do Peso”, da diretora Estela Renner. Tive como colegas de debate as honrosas companhias do secretário de Saúde, a secretária da Educação e alguns colegas da área de nutrição e pediatria em. No filme, fantástico por sinal, a diretora mostra o quanto somos seduzidos pela indústria da alimentação com a quantidade de açúcar, sal e de gordura que são adicionados aos alimentos processados.
É curioso, mas imaginável, que são mostradas cenas em que às crianças entrevistadas não identificam uma batata, um chuchu ou uma berinjela, mas conhecem muito bem batata frita. Manifestei na discussão que se seguiu ao filme meu pessimismo em relação ao futuro, pois não vejo ações efetivas e duradouras por parte dos governos para empreender uma contra revolução nos hábitos alimentares e estilo de vida. Nos sistemas democráticos, creio que normatizar a propaganda não represente um retrocesso político, mas uma evolução.
Cabe aos que recebem cerca de 40% de tudo que ganhamos discutir e adotar ações que venham nos ajudar. Para registro: recentemente o governador do Estado vetou projeto de lei que proibia a entrega de brinquedos na compra de sanduíches. A sedução com pequenos bonecos precede a sedução com açúcar, sal e gordura.
Será que a magia da sedução a que somos submetidos pelos açúcares, pelo sal e pelas gorduras tem sua origem em algum fator hereditário desenvolvido e preservado pelas necessidades de alimento que nossos ancestrais tiveram em tempos que tinham de caçar, pescar e plantar para comer? Vamos garantir períodos de escassez! Ou será que essa sedução é somente devida ao efeito de mais de 50 anos em que fomos submetidos maciçamente a propagandas muito bem planejadas? O tempo dirá.