RUBEM ALVES

A arca de Noé

13/10/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 00:35

A tempestade tinha assustado a todos. Chuvas eram raras e quando vinham eram mansas. Mas naquele dia as águas caíram pesadas. As crianças ficaram com medo. Começaram a imaginar uma chuva que não teria fim, uma chuva que caísse sempre, que enchesse os vales e cobrisse tendas e árvores, uma chuva que trouxesse a morte para homens e animais. Foram à tenda de Benjamin e lhe contaram seus medos. E ficaram a olhar dentro dos seus olhos, já enrugados nos cantos pela idade, a longa cabeleira branca caindo sobre os seus ombros. E foi essa a estória que ele lhes contou:“Aconteceu sim, faz muitos e muitos anos. Deus estava triste, muito triste com a maldade dos homens. Ao criar o mundo ele imaginara que os homens seriam felizes tantas eram as coisas bonitas que havia. O mundo era um jardim cheio de árvores, frutos, riachos, bichos amigos. Sendo felizes teriam de ser bons. Mas eles não ficaram bons. Ficaram maus. E por causa da sua maldade — de onde ela teria vindo? — a terra foi ficando feia e cobrindo-se de tristeza. Deus pensou então em começar tudo de novo. Lavar o mundo da sua maldade, da mesma forma como se lava a roupa suja da usa sujeira. Tomou então a decisão de lavar o mundo com água. Chuva, muita chuva, chuva de dia, chuva de noite, chuva que encheria a terra e afogaria todo o mal.Mas havia um homem que havia permanecido bom, ele e sua família. Seu nome era Noé. Noé, agricultor, plantador de uvas, fabricante de vinhos... Deus então o fez sonhar. Pois é assim que Deus se comunica com os homens, fazendo-os sonhar. E ele sonhou com um dilúvio que cobria o mundo, o mundo inteiro transformado num mar sem fim e, flutuando no mar, um navio. Olhando mais de perto o navio ele viu quem estava nele: ele mesmo e a sua família.Noé acordou assustado e contou o sonho para os seus filhos. ‘É uma revelação de Deus’, eles disseram. ‘Precisamos construir um navio para não morrer’. Ato contínuo buscaram madeiras, tomaram ferramentas, serrotes, martelos, pregos, e puseram-se a construir um navio que se chamava arca. Os vizinhos se riam deles, achando que haviam endoidecido. Mas eles não ligaram. Continuaram o seu trabalho. Até que o navio ficou pronto. O céu já estava negro, coberto com nuvens sinistras. Os primeiros pingos começaram a cair. Noé ordenou que sua família entrasse no navio.‘— E os animaizinhos? Os animaizinhos não eram malvados, não mereciam morrer’, disse um menino.‘— Não’, disse Benjamin com um sorriso. O navio era grande para todos eles. Assim Noé ajuntou todos os animais seus amigos, ovelhas, cabritos, bodes, jumentos, cães, gatos, carneiros, bois, vacas, cavalos, galos, galinhas, patos, gansos, pombas, corvos...‘— E os coelhinhos?’, perguntou uma menina que tinha um coelhinho branco no seu colo.‘— Também os coelhinhos. Os peixes não, porque eles sabem nadar. Entraram todos no navio e Noé fechou a porta. Veio a chuva. Choveu durante quarenta dias e quarenta noites. Depois de quarenta dias parou de chover. As águas baixaram e as plantas ficaram verdes de novo. Mas Noé estava fechado dentro do navio. Não sabia o que estava acontecendo do lado de fora. Aí ele teve uma idéia: pegou um corvo e disse-lhe que voasse sobre a terra e lhe trouxesse informações sobre como estava o mundo. O corvo saiu, viu aquela beleza toda e se esqueceu de voltar para contar. Noé então mandou uma pombinha. A pomba foi, viu e voltou com um ramo de oliveira no bico. Noé compreendeu. O ramo de oliveira estava dizendo: ‘Está tudo em paz...’ Desde então as pombas passaram a ser o símbolo da paz.‘— Mas, e se Deus resolver mandar outro dilúvio?’, perguntou um menino.Benjamin tomou as crianças e as levou para fora de sua tenda. Havia um enorme arco-íris no céu.‘— Estão vendo o arco-iris com sete cores? Quando o dilúvio acabou Deus pensou: Agora os homens vão ficar com medo de um outro dilúvio. Preciso dizer a eles que nunca mais um dilúvio destruirá a terra. Darei ordens ao Sol para que ele faça passar sua luz pela água da chuva, e faça um vitral de cores no céu, sete cores. Esse vitral de sete cores, o arco-iris, será a minha assinatura nos céus, como garantia da minha promessa...’Ao final da estória as crianças sorriram. Saíram para fora da tenda de Benjamin e começaram a brincar. Com o arco-íris nos céus pode-se brincar sobre a terra sem medo...

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