AVENTURA

Morador de Nova Odessa viaja aos EUA em um Fiat Uno Mille

Veículo foi adaptado como moradia e escritório durante sua locomoção durante 13 meses

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
16/04/2023 às 10:03.
Atualizado em 16/04/2023 às 10:44
Momento de maior tensão da viagem foi próximo da cidade colombiana de Medelím, quando Luiz Henrique Torelli ficou em meio a um tiroteio entre traficantes e policiais (Arquivo Pessoal)

Momento de maior tensão da viagem foi próximo da cidade colombiana de Medelím, quando Luiz Henrique Torelli ficou em meio a um tiroteio entre traficantes e policiais (Arquivo Pessoal)

Um morador de Nova Odessa, na Região Metropolitana de Campinas, é o primeiro brasileiro a ir com um Fiat Uno Mille até Nova York, nos Estados Unidos. O primeiro capítulo da aventura sob quatro rodas de Luiz Henrique Torelli, de 39 anos, pelas estradas de 14 países começou em março de 2022 e terminou no último dia 5, quando embarcou de volta ao Brasil, mas apenas para um breve descanso. Em 13 meses, percorreu praticamente 50 mil quilômetros, o equivalente a 1,25 vez a circunferência da Terra a bordo de um carro popular, que ele transformou em sua casa. Foram retirados os bancos dos passageiros da frente e de trás para convertê-lo em um pequeno motorhome, com cama, cozinha, onde seria o porta-malas, uma pequena geladeira e reservatório de água.

O bagageiro no teto teve a função de guarda-roupa. O espaço de cerca de 5 metros quadrados tinha a função de casa e escritório, onde Torelli alimentava suas redes sociais e compartilhava as alegrias e dificuldades com cerca de 545 mil seguidores espalhados pelo Instagram, YouTube, Facebook e TikTok, todos registrados como um.a.uno. O número é equivalente a quase 10 vezes a população da cidade onde Torelli cresceu e foi seu ponto de partida. “Eu só nasci em Americana, mas fui criado em Nova Odessa”, explica.

A carreira de influencer digital, assim como toda a viagem, nasceu por acaso, sem passar por um planejamento. A aventura começou após esse aventureiro perder a avó paterna no início de 2022. “Ela foi uma mãe para mim, me criou”, diz Torelli, que entrou em depressão, após o falecimento. “Eu fiquei muito mal e precisava viajar”, explica. Em março do ano passado, caiu na estrada a bordo de “Sandro”, como foi batizado o carro. É também uma homenagem a Dona Adelaide Torelli. O nome era de um sobrinho que a avó gostava muito e os três iam juntos ver jogos de futebol quando Luiz era criança.

Pouca grana no bolso

A viagem começou pelo Brasil, com o morador de Nova Odessa passando por oito Estados e o Distrito Federal, entre eles, Bahia, Tocantins e Paraná. Ele deixou o trabalho de vendedor de acessórios de celular e saiu de casa com R$ 4 mil, dinheiro juntado a partir de economias e rifa de um smartphone. O carro usado na viagem foi o mesmo com o qual percorria a região na atividade de autônomo. O veículo de 2002 foi adquirido com 15 anos de uso.

“Era o que eu tinha à disposição. Não tinha como comprar outro ou um maior”, afirma o influencer digital. Já na estrada, Torelli decidiu partir para a jornada internacional e realizar o sonho de conhecer Nova York. Em Foz do Iguaçu, ele partiu para a Argentina, depois para a Bolívia, Peru e Colômbia, onde passou pelo maior perigo que enfrentou. “Perto de Medelím, fiquei no meio de um tiroteio entre traficantes e a polícia. Sai correndo dali”, lembra.

Nesse país, despachou o carro de navio até o Panamá, onde pegou a Rodovia Panamericana rumo ao Texas, nos Estados Unidos. Construída em 1936, essa é a estrada mais longa do mundo, com 30 mil quilômetros de extensão, indo de Fairbanks, no estado do Alaska (EUA), até Quellón, no Chile, na América do Sul. No trajeto, Luiz e “Sandro” cruzaram toda a América Central, passando pela Nicarágua, do ditador Daniel Ortega; El Salvador; Honduras; Guatemala; e México, já na América do Norte, até chegar a fronteira com os Estados Unidos.

O roteiro inclui ainda a Costa Rica, país que o morador de Nova Odessa mais gostou de conhecer nesse longo passeio. “É um país que eu voltaria”, afirma, onde tem boas lembranças das praias paradisíacas e da casa de brasileiros em que ficou. Costa Rica é banhado pelo Mar do Caribe e pelo Oceano Pacífico, tem um quarto do território coberto por florestas protegidas e vulcões em atividade, onde são comuns tremores de terra.

A cerveja local é boa, assim como a culinária. Uma curiosidade que é comum no café da manhã servirem o Gallo Pinto. O prato típico é feito com a mistura de arroz e feijão preto fritos até ficarem tostados, levando ainda pimentão, pimenta, alho, cebola e um molho local, o Salsa Lizano. Ele é acompanhado de banana assada, ovo cozido ou frito e abacate.

Sem luxo

A grana para se manter durante o início da viagem vinha de doações que conseguia e do patrocínio de algumas empresas. Depois, as redes sociais começaram a crescer e render faturamento com publicidade, com os recursos gerados também a partir de um site da aventura onde foram comercializados itens como camisetas, bonés, canecas, blusas de moletom e pôsteres da viagem. Foi com esse dinheiro que Torelli pagava as despesas da viagem, feita sem luxo, principalmente, gasolina, alimentação e manutenção do carro.

Ele dormia no interior do veículo em estacionamentos, postos de combustíveis ou onde dava. “Ficar uma semana sem tomar banho é normal”, conta. Modelo básico com motor Fire 1.0, “Sandro” não tem ar-condicionado ou ar quente, e o motorista enfrentou temperatura de 10 graus negativos a 50 graus positivos durante a viagem. De acordo com o influencer, o automóvel não quebrou na viagem, fazendo os consertos que são comuns, como troca de pneus, óleo, filtros, coifas e pastilhas de freio. Muitos dos reparos foram feitos pelo próprio motorista. “O carro nunca furou nem o pneu”, diz Luiz.

Isso não o isentou de enfrentar problemas, como pista coberta por gelo e falha do motor por falta de oxigênio por causa do ar rarefeito devido à altitude ao cruzar a Cordilheira dos Andes. Nos Estados Unidos, o motor voltou a engasgar por não estar regulado para rodar com gasolina pura, apenas com o combustível brasileiro, que tem a adição de 27% de etanol. A solução foi trocar a bomba de gasolina e velas, reparo feito pelo próprio aventureiro.

Ele chegou a Nova York em setembro do ano passado, onde conheceu pontos turísticos, entre eles a Times Square, Central Park, Empire State e o World Trade Center, que foi reconstruído após três torres, as Gêmeas e a Norte, serem destruídas no atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Na Big Apple, “Sandro” era o único Uno em circulação, se destacando na paisagem urbana. Comum no Brasil, onde foi lançado em 1984, o modelo teve 4,48 milhões de unidades produzidas ao longo de 37 anos e foi exportado para países da América Latina e Europa.

Rodinha nos pés

No total, Luiz conheceu 30 estados norte-americanos, parte deles cortados pela lendária Rota 66, a rodovia mais famosa do mundo, ligando as cidades de Chicago, em Illinois, até Santa Mônica, na Califórnia. Ao longo de seus 3.940 km estão o Grand Canyon, o Parque Nacional da Floresta Petrificada e outras atrações. Nos Estados Unidos, o viajante também comprou uma placa solar portátil, o que lhe permitia recarregar a bateria que alimentava a geladeira e outros aparelhos, o que lhe dava a autonomia de se isolar no meio da floresta sem o problema de ficar sem eletricidade. Isso lhe permitia a usar, por exemplo, o smartphone.

Por cada país que passou, “Sandro” ganhou uma bandeira local adesivada na carroceria, o seu “carimbo no passaporte”. Ele e Torelli ficarão temporariamente afastados. Em Orlando, na Flórida, o carro foi enviado para Portugal de navio. O influencer digital voltou para o Brasil em voo direto para o Aeroporto Internacional de Viracopos, onde desembarcou no último dia 6 e seguiu para Nova Odessa onde reviu a família e amigos.

Ele deverá ficar na região até junho, quando pretende viajar para Portugal, onde pegará “Sandro” e iniciará uma viagem que inclui ainda a Espanha, República Tcheca, Alemanha, Bélgica e Itália. O esquema do tour europeu é o mesmo, sem roteiro ou tempo definido. Se chegar a um local que gostar, passa mais tempo. Caso contrário, volta para a rodovia. “Esse bichinho da estrada me picou, não tem como ficar parado mais. Não me vejo morando em apenas um lugar”, diz Torelli.

Ele tem apenas dois destinos definidos. Aproveitará a estadia no Brasil para levantar informações sobre a origem italiana da família para conhecer o local onde tudo começou. O outro é a sede da Fiat em Turim, na Itália. Talvez, visite um italiano que conheceu na Colômbia e um alemão para quem deu carona na Nicarágua. São duas das diversas amizades que fez pelo caminho e através de suas redes sociais. “Agora, conheço gente do mundo todo e tenho muito lugar onde ficar”, afirma. Depois da Europa, o viajante sobre rodas sabe exatamente para onde irá. Entre as possibilidades estão o Leste Europeu, África e Ásia. “Ainda vou definir”, diz Torelli. 

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