OBSTÁCULOS NO ENSINO

Inquérito do MP quer averiguar oferta de educação especial

Preocupação é se a demanda consegue ser atendida e se cursos de pedagogia capacitam profissionais para trabalhar com pessoas com deficiência

Luis Eduardo de Sousa/ [email protected]
16/04/2024 às 09:03.
Atualizado em 16/04/2024 às 09:03
Pais, mães e responsáveis têm encontrado dificuldades para que o direito de acesso à educação de crianças e adolescentes com deficiência e com Transtorno do Espectro Autista (TEA); muitas famílias judicializam a causa para garantir matrícula e acompanhamento em sala de aula (Alessandro Torres)

Pais, mães e responsáveis têm encontrado dificuldades para que o direito de acesso à educação de crianças e adolescentes com deficiência e com Transtorno do Espectro Autista (TEA); muitas famílias judicializam a causa para garantir matrícula e acompanhamento em sala de aula (Alessandro Torres)

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) instaurou um inquérito para apurar a oferta de acompanhantes pedagógicos voltados à educação especial nas escolas das redes pública e privada de Campinas. Segundo a promotoria, multiplicam-se no Judiciário as decisões favoráveis ao direito ao acompanhamento, no entanto não há transparência no mercado sobre a quantidade e a qualidade desses profissionais. A rigor, o órgão quer entender qual a dimensão do problema. 

Em reportagem publicada no último domingo, 14 de abril, mães relataram ao Correio Popular dificuldades vivenciadas para que o direito à educação seja cumprido. Uma delas, a profissional autônoma Carla Silva, de 27 anos, contou que o filho Davi, de oito anos, está fora da escola. O motivo é que a unidade negou a realizar a matrícula da criança após a Justiça optar pela obrigatoriedade do profissional. A criança tem Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

De acordo com especialistas, há uma lentidão no desenvolvimento de políticas públicas voltadas à educação especial. A falta de profissionais capacitados é uma das barreiras. Apesar dos relatos, a Secretaria Municipal de Educação de Campinas disse, em nota, que atende às necessidades de seus alunos especiais. Já a Secretaria de Estado de Educação, também procurada, não respondeu. 

“A preocupação se refere a todos os fatores que envolvem essa questão. Primeiramente, não sabemos se há uma oferta suficiente para atender a demanda, que, por sua vez, também é subnotificada. Notamos, no MPSP, que as ações nesse sentido ocorrem em grande quantidade e que há muitos casos em que não se tem uma resposta, de modo que a situação pode caminhar para uma atmosfera perversa”, explica o promotor de justiça Rodrigo Oliveira, da 33ª Promotoria, responsável pelo inquérito. 

“Veja, nem a demanda nós temos dimensão exata de como está, embora percebamos, através das ações, que as famílias precisam judicializar a causa. Não temos essa radiografia. Adicionalmente, não sabemos se esses profissionais estão sendo capacitados da maneira certa para atender esses alunos e, nesse sentido, as instituições de ensino também serão averiguadas”, complementa. “A impressão que temos na promotoria é que em pouco tempo esses profissionais podem faltar”, emenda o promotor. 

O problema é sentido na pele pela jovem Carla Silva, cuja falta de escola tem tirado as noites de sono. O filho dela estudou na mesma escola por seis anos sem acompanhamento pedagógico. Para o ano letivo de 2024, ela conseguiu na Justiça o direito ao acompanhante, mas a escola se negou a fazer a matrícula. 

“A escola, basicamente, se nega a matricular meu filho porque ele tem o direito ao acompanhante. Tivemos que acionar o judiciário novamente, agora para conseguir efetuar a matrícula, mas, enquanto a decisão não sai, ele está perdendo aulas e regredindo nas suas principais dificuldades”, conta a mãe. 

Segundo a promotoria, a escola é obrigada a acatar a decisão judicial sem repassar o custo pelo acompanhante aos pais. A recusa pela matrícula, inclusive, configura crime, passível de multa e reclusão de um a quatro anos, além da suspensão do credenciamento. 

Também profissional autônoma, Roberta Tivelli, mãe do Arthur, de oito anos, se lembra dos problemas que enfrentou para obter o acompanhamento pedagógico para o filho. A criança também possui TEA. 

“Quando meu filho foi obrigado a ir para o ensino estadual (aos seis anos) tivemos que judicializar, pois ele não teria acesso ao profissional especializado. Eu consegui a liminar, o Ministério Público foi a favor e só aí conseguimos uma professora, que é muito esforçada, estudiosa e aplicada. Nós conseguimos, mas infelizmente sabemos que nem todas as famílias conseguem esse profissional para os seus filhos”, relata. 

“Eles não são capacitados. É raríssimo encontrar profissionais da área da educação aptos a fazer isso, porque eles não têm especialização em educação especial, principalmente em autismo, que é caso do meu filho. A gente percebe que eles sabem muito pouco sobre outras deficiências, mas autismo ele sabem nada vezes nada”, complementa. 

Segundo a promotoria, as indagações do inquérito miram as faculdades de pedagogia, que são responsáveis pela formação desses profissionais. 

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação, estão matriculados nas 208 unidades da rede municipal de ensino 2.106 alunos que pertencem à Educação Especial e 1.053 profissionais voltados ao atendimento desses alunos. 

“Em paralelo são mais 153 estagiários de pedagogia que fazem o acompanhamento dos alunos em sala de aula. No contraturno das aulas, também são oferecidos um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos que complementam ou suplementam a escolarização. Esses serviços são individualizados e realizados pelos professores da Educação Especial nas 32 salas de recursos multifuncionais da rede”, informa a Secretaria. 

Até o fechamento da matéria, a rede estadual de ensino não havia divulgado os números referentes à quantidade de alunos especiais nas unidades de Campinas, bem como quantos são os acompanhantes. 

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