Mudança feita pelo Estado na forma de remuneração dos serviços prestados fará com que setor perca até R$ 80 milhões por ano, calcula a universidade
A Unicamp promoveu reunião com deputados estaduais da região para expor as dificuldades financeiras do seu complexo de saúde e pedir apoio para uma negociação com o Estado (Rodrigo Zanotto)
O governo paulista mudou a forma de pagamento dos serviços prestados pelo complexo da área de saúde da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos principais do setor público do Estado de São Paulo, o que pode resultar em um corte nas verbas entre R$ 60 milhões e R$ 80 milhões por ano. O problema decorre da decisão do Estado de remunerar os serviços feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) pela prestação efetivamente realizada e não mais pelo valor do teto previsto em contrato. O alerta foi pelo diretor executivo da Área de Saúde da universidade (DEAS), Oswaldo da Rocha Grassiotto, ao participar de uma reunião com um grupo de dez deputados estaduais e representantes de outros dois parlamentares. O objetivo foi buscar apoio político para a abertura de um canal de negociação com o governo do Estado e evitar o agravamento das contas que sempre fecham no vermelho.
O raio de cobertura do complexo de saúde inclui 88 municípios, onde residem 6,98 milhões de pessoas. A estrutura é referência no atendimento de alta complexidade, como transplantes e câncer, mas também recebe pacientes de outros estados. O orçamento do setor em 2023 foi de cerca de R$ 1 bilhão, com a Unicamp, que cobre com recursos próprios em torno de 66% desse montante, tendo normalmente que destinar entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões adicionais por ano para cobrir o déficit nas contas no fechamento do exercício. Outros 33% das despesas são cobertos pelo SUS, com 1% tendo outras origens, como emendas parlamentares.
O complexo de saúde da universidade administra sete hospitais e sete Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs), instalados em cidades a até 123 quilômetros de distância de Campinas, que é o caso de São João da Boa Vista. No passado, as unidades realizaram 34.287 internações, 35.469 cirurgias, 697.923 consultas médicas, 3.597 partos e 350 transplantes, além de outros serviços. Fevereiro passado foi o primeiro mês em que os serviços do SUS passaram a ser pagos pelo efetivamente realizado, o que resultou em uma redução de R$ 8 milhões no repasse de recursos.
REIVINDICAÇÕES
"Nós vamos fazer de tudo para não prejudicar o atendimento à população, mas é preciso encontrar uma solução", afirmou o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, o Tom Zé, que também participou da reunião. A reivindicação apresentada aos deputados para solução a curto prazo da redução das verbas foi a mudança do decreto estadual n° 67.095/2023 do SUS Paulista, para permitir que o complexo da área de saúde da Unicamp receba recursos desse programa. Atualmente, as verbas são destinadas apenas a santas casas e hospitais filantrópicos. A médio e longo prazos, a solução está na construção do Hospital Metropolitano em Campinas, para abertura de 400 a 600 novos leitos para atendimento de pacientes de baixa e média complexidades. "Essas medidas são complementares e não excludentes, uma tem que ser adotada em conjunto com a outra", afirmou o diretor do DEAS.
Os deputados apoiaram a reivindicação da Unicamp e se comprometeram a intermediar uma reunião com o secretário estadual de Saúde, Eleuses Paiva, ou com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em busca de uma solução.
CÁLCULOS
De acordo com projeção feita pela Diretoria Executiva da Área da Saúde da Unicamp, o pagamento por produção deverá representar um repasse de R$ 184,53 milhões este ano, valor 30,1% menor do que os R$ 264 milhões se os serviços fossem remunerados pelo SUS Paulista. Mesmo assim, esse último mecanismo traz uma perda em comparação aos R$ 276 milhões que a instituição receberia com a manutenção do pagamento pelo valor do teto previsto em contrato.
Segundo Oswaldo Grassiotto, a universidade é penalizada duas vezes com redução no repasse de recursos. No caso do Hospital de Clínicas, 60% dos atendimentos são do pronto-socorro, que realiza os serviços com as menores remunerações feitas pelo SUS. Porém, esse atendimento de emergência retira médicos que realizariam cirurgias eletivas de alta complexidade, como do coração e ortopédicas, que é a vocação natural do HC e que geram valores mais altos.
"Isso acontece porque trabalhamos com um pronto-socorro com as portas abertas, atendemos todos que procuram, e isso vai continuar. Temos que atender as pessoas que nos procuram", disse o reitor Tom Zé. De acordo com o DEAS, no segundo semestre de 2023 o PS realizou 27.728 atendimentos, dos quais 86,2% foram por procura espontânea, ou seja, os pacientes vão diretamente para a unidade, sem procurar um posto de saúde ou outro serviço em sua cidade. Outros 6,5% foram encaminhados pela Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde (Cross), órgão da Secretaria Estadual de Saúde que administra as vagas regionais; 2,8% foram levados pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu); 0,2% pelos serviços de emergências das rodovias que cortam a região ou pelo helicóptero Águia da Política Militar; e 2,7% têm outras origens.
MANIFESTAÇÕES
Para Oswaldo Grassiotto, essa demanda no pronto-socorro poderia ser reduzida se os pacientes permanecessem em suas cidades de origem ou fossem orientadas a buscar a rede básica de saúde, que seria o local correto para o atendimento. "É mais do que justa a reivindicação da Unicamp. Nós temos que resolver esse problema o quanto antes", disse o deputado Barros Munhoz (PSDB), lembrando que muitas pessoas de sua cidade de origem, Itapira, procuram o HC da Unicamp.
O parlamentar Dirceu Dalben (Cidadania) também defendeu a posição da instituição e ressaltou que a promessa do governo estadual de contratar serviços ociosos da rede particular para desafogar a rede pública de saúde não foi implantada na região de Campinas. "Faz quase um ano e meio que isso foi prometido, mas nada foi feito. Também não avançamos na criação do Hospital Metropolitano", afirmou.
O reitor da Unicamp, Tom Zé, reforçou que trabalha para que a universidade ceda a área para a construção do novo hospital para garantir sua viabilização. Para a deputada Ana Perugini (PT), ao criar o SUS Paulista, faltou ao governo do Estado ouvir todos agentes envolvidos e defendeu mudanças no decreto. "A Unicamp precisa ser ouvida. Ela tem expertise no SUS", disse.
A Secretaria Estadual de Saúde (SES) divulgou, por meio de nota oficial, que "os hospitais públicos não foram incluídos por já disporem de orçamento público", referindo-se ao SUS Paulista. De acordo com a pasta, "a Tabela SUS Paulista corrige o subfinanciamento da tabela SUS federal, complementando com recursos do tesouro do Estado o montante mensal de R$ 27.440.602,17, para aproximadamente 102 prestadores filantrópicos das Redes Regionais de Atenção a? Saúde de Campinas". Sobre o Hospital Metropolitano em Campinas, "o projeto está sob discussão e estudo entre o Departamento Regional de Saúde (DRS) de Campinas, os gestores locais e a SES", acrescentou.
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